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Até ao Século XX


Alpiarça, durante a Idade Média, não foi uma povoação com grande importância, pois não se conhecem grandes acontecimentos datados deste período. Apenas chegaram até nós um conjunto de acontecimentos que nos ajudam a reconhecer a realidade da época.


 
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Por : Nuno Prates*

 

:: ALPIARÇA DA IDADE MÉDIA À ÉPOCA CONTEMPORÂNEA

    Em 1295, surge a primeira referência escrita, que se conhece, mencionando o nome desta povoação. Nas Inquirições de D. Dinis aparece o termo Alpearça, mas pouco mais se sabe. Mais tarde, em 1311, verifica-se mais uma vez uma referência a Alpiarça, num arrendamento a Martim Anes, boieiro, este menciona a existência de uma herdade além "dalpearça".
    De 1338 é datada uma carta de coutada passada pela Chancelaria de D. Afonso IV, e destinada a Pedro Eanes, escrivão da dízima na Ribeira de Santarém. Da carta podemos retirar algumas informações como por exemplo a localização do dito Reguengo de Alpiarça, situado "a par do moinho de vento, no limite da vila de Santarém". Na carta há informações sobre a propriedade e destaca-se o facto desta não dar lucro, visto haver muito gado que a invadia e também porque os cavaleiros da vila de Santarém entravam nesta propriedade, fazendo várias pilhagens.
    No século XIV já Alpiarça (Alpearça) existia como povoação. O povoamento destas zonas terá começado logo a seguir à Reconquista.

      Outra das referências que se conhecem sobre Alpiarça diz respeito ao seu rio: o rio Alpiarça ou Vala Real. Este era no reinado de D. João I coutada real. Era muito comum os monarcas usufruírem de terrenos próprios para pescarem e caçarem, eram as coutadas reais, aqui só unicamente o rei poderia caçar ou pescar, outros para o fazerem teriam que ter uma autorização especial. Em relação ao rio Alpiarça, há notícia que em 1436, o povo do concelho de Santarém faz uma petição ao rei, para que naquele rio se pudesse pescar com covões, pois pescar com cana não era rentável. O rei D. Duarte cede ao pedido e autoriza a utilização dos covões em determinadas zonas do rio.
    Passados três anos o concelho de Santarém, nas Cortes de 1439, volta a manifestar-se contra a coutada real do rio Alpiarça, alegando que os rios são livres e que todos deveriam ter direito de pescar, o povo manifestava-se contra alguns poderosos que o proibiam de pescar no tempo do sável.                                
 
   Passados alguns anos, o regente D. Pedro declara livre a pesca no rio Tejo (1442), no entanto o rio Alpiarça continua a ser coutada real em algumas zonas. O rio Alpiarça aparece-nos sempre associado à abundância de peixe, talvez fosse esta a razão pela qual ele era considerado coutada real. O padre Luiz Cardoso, no Dicionário Geográfico (1747) referencia a fertilidade das terras junto às margens do rio Alpiarça, assim como a abundância de peixe, nomeadamente fataças e barbos.
    O rio Alpiarça é coutada real desde o reinado de D. João I até ao século XVIII. Tal como o rio também a charneca de Alpiarça foi coutada real de caça, no vale da Atela caçavam-se raposas, perdizes e javalis.
    Outras das referências a Alpiarça aparece-nos na obra de Gil Vicente "Nau dos Amores" (1527), aqui é referido que a povoação pertencia ao mestre da Ordem Militar de Avis, recebendo rendas de Alpiarça.
    Na contagem da população mandada fazer por D. João III, entre 1527 e 1532 (Numeramento Joanino), aparece-nos a primeira referência à população existente em Alpiarça:


- Moradores que vivem desde a casa de Gonçalo Correa até à Lagoalva 28 vizinhos.

- A Tapada da Lagoalva 15 vizinhos.

- Aldea da Ponte d'Alpiarça 36.


    Através do numeramento podemos constatar que era povoada a aldeia da ponte de Alpiarça (36 fogos), mas também os arredores, como por exemplo a Quinta da Lagoalva.
    Durante a Época Moderna Alpiarça continua a pertencer ao arcediagado e comarca de Santarém. No entanto já é freguesia, pois, segundo o padre Luíz Cardoso, existe a informação que em 1747, compreendia dentro de si e em toda a freguesia o número de 300 vizinhos.
    A igreja de Alpiarça pertencia à Colegiada de Santa Maria de Alcáçova, o pároco era cura e recebia de côngrua um moio (medida equivalente a sessenta alqueires) de cevada, um de trigo, uma pipa de vinho e cinco mil e seiscentos em dinheiro.
    No século XVIII, Alpiarça cumpria os deveres e gozava dos direitos estabelecidos no foral de Santarém, por pertencer ao termo de Santarém.
    Com o terramoto de 1755, Alpiarça não sofreu nada, pois não houve destruição de nenhuma casa. O centro do aglomerado populacional localizava-se na zona da actual praça velha, ficando a igreja afastada do centro, esta situava-se onde hoje existe o Jardim Municipal.
    Ao longo do século XVIII, a agricultura de Alpiarça vai sofrer com um decreto do Marquês de Pombal, publicado em 1756, decretando o arranque das vinhas nos campos de Alpiarça. Esta cultura vai ser substituída pelos cereais.
   Durante o século XVIII / XIX, assiste-se a grandes cheias, que muito vêm dificultar a agricultura da região. Em Alpiarça como a principal cultura eram os cereais, existem grandes dificuldades para os lavradores. A rainha D. Maria I vai em 1789, atender ao pedido dos lavradores de Alpiarça, autorizando de novo a plantação da vinha.
   Durante o reinado de D. Maria I, constata-se um especial interesse pela agricultura, não só no campo prático mas também no campo científico. É nesta época que se realizam grandes obras no Ribatejo, como por exemplo a construção e arranjo de tapumes, tapadas e valados. Por volta dos anos 70 de 800 são construídos uma tapada em Almeirim e outra em Alpiarça.
   Ao longo do século XVIII / XIX, a cultura da vinha continua a crescer e vem pôr fim aos prejuízos, que eram inúmeros para o cultivo de cereais.
   Em 1836, a freguesia de Alpiarça deixa de pertencer ao concelho de Santarém, e passa para o concelho de Almeirim.
   Aquando das invasões franceses, esteve aquartelado em Alpiarça, o alferes Bernardo da Bandeira, futuro marquês da Bandeira, pois Santarém estava ocupada pelas tropas de Massena.
   Em 1824, passou por Alpiarça D. Miguel. Este esteve,  com suas irmãs, na Quinta da Goucharia, que era propriedade dos marqueses de Fronteira. Esta sua estada em Alpiarça ficou marcada pelas corridas de touros pela noite dentro.
   A Quinta da Goucharia era, como já foi referido, propriedade do marquês de Fronteira, mas estava arrendada ao capitão-mor de Santarém, José Salinas de Benevides. Na quinta, o dia era passado na caça às lebres, enquanto a noite era passada quase sempre na Casa dos Sousas em Alpiarça, onde existia baile até muito tarde.
   Nesta época o Dr Francisco Raymundo da Silveira dirigia algumas touradas em Alpiarça que atraíam inúmeros espectadores.
   Através do recenseamento de eleitores do Concelho de Almeirim, conseguimos conhecer um pouco a freguesia de Alpiarça. Com efeito, em 1845 existiam na freguesia 51 proprietários, 6 fazendeiros, 3 lavadores, 1 boticário, 2 bacharéis, 1 cirurgião entre outros. Para fazer parte deste recenseamento era necessário saber ler e escrever, desconhecendo-se assim a profissão de muitos analfabetos. Pode-se, no entanto, observar a quantidade de profissões ligadas ao sector agrícola.
   Quanto ao comércio, existia nesta data na freguesia 10 mercearias, 6 padarias, 6 tabernas, 2 boticas e 1 vendilhão.
   No ano 1846, Alpiarça sob comando de Passos Manuel, foi uma das primeiras terras da Estremadura a participar na Revolta da Maria da Fonte.
   Alpiarça, ao longo de todo o século XIX, foi local de grandes perturbações como: crimes, roubos, assassinatos, agressões à autoridade e desordens, talvez por este motivo a freguesia ficou conhecida como "Alpiarça... gente de má raça".
   As ideias republicanas estiveram sempre bem presentes em Alpiarça, que em 17 de Fevereiro de 1906, ascende à categoria de vila.
   Na vila de Alpiarça, ocorreram nos últimos anos da Monarquia, grandes comícios de propaganda republicana.
   Alpiarça atravessa uma grande crise no sector vinícola, pois havia uma grande produção e o vinho não tinha preços muito elevados (no século XVIII, a "filoxera" tinha acabado com as vinhas desta região, havendo de seguida uma grande replantação).
   Por toda a parte existia um clima de grande instabilidade, que se fazia sentir na falta de trabalho, nos salários baixos, na fome e na pobreza. Perante este quadro a República aparecia como forma de solução de todos os problemas da população. Os Homens de Alpiarça queriam a República, sendo esta vila considerada como a mais republicana.

 

As aclamações da multidão à chegada
dos líderes republicanos
  

 

   Em 1907, quando se fazem as jornadas republicanas pelo Ribatejo, é em Alpiarça que se dá uma das maiores recepções aos republicanos: João Chagas, Alexandre Braga, António José de Almeida, Bernardino Machado e João Menezes. A organização da recepção aos republicanos é feita por alguns alpiarcenses, salientando-se o Dr. Joaquim Romão. A comitiva passa pelas ruas da vila e a recepção é entusiasta.


                         
 
José Malhou falando ao povo de uma
janela de sua casa

 

   Da varanda da casa de José Malhou, este e António José de Almeida falam ao povo. Depois deste comício há uma adesão à República de quase 100%.                           
 
   A 9 de Fevereiro de 1908, o povo de Alpiarça aprova uma moção contra o governo de João Franco e, neste mesmo dia, recebe a população a visita de João Chagas. Quando chega a Alpiarça, acompanhado por José Relvas e Luíz Morotte, o povo espera-o à entrada da Quinta dos Patudos e aí mesmo exige um comício. Perante o discurso de Joaquim Romão, José Relvas e João Chagas, o povo aplaude com entusiasmo.
   Aquando das eleições, o partido republicano obteve em Alpiarça 580 votos, enquanto que o partido monárquico ficou pelos 12 votos; este foi dos melhores resultados para o partido republicano. João Chagas ainda voltaria a Alpiarça antes de 5 de Outubro de 1910, para participar numa conferência, juntamente com José Relvas e Ricardo Durão.
   À causa republicana, ficarão sempre ligados nomes de alguns homens desta vila como: José Relvas, Manuel Duarte, Ricardo Durão, João Maria da Costa, Jacinto Mártires Falcão, Joaquim Romão, José Malhou e António Guilherme Meira.
   Alpiarça é elevada à categoria de concelho, pela Lei n.º 129, de 2 de Abril de 1914. Desta forma deixa de pertencer ao concelho de Almeirim, constituindo um concelho autónomo com uma única freguesia: Alpiarça.
   A Comissão Executiva do concelho de Alpiarça era constituída por: Manuel Duarte (presidente), José Joaquim das Neves, Manuel da Silva Tendeiro, José Nunes Pedro e João Augusto dos Mártires Falcão.
   O concelho de Alpiarça foi em tempos composto por outra freguesia: a freguesia de Vale de Cavalos; esta pertenceu ao concelho de Alpiarça entre 1919 e 1926. Depois desta data, o concelho de Alpiarça continuou a ser formado por uma única freguesia.

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Bibliografia :

PRATES, Nuno; REI, Seara

Alpiarça e a sua História, Trabalho apresentado na cadeira de História Moderna de Portugal,
Faculdade de Letras - Universidade de Coimbra, 1997. (Aguarda publicação).

* Licenciado em História, Variante de Arqueologia

 

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